sexta-feira, 24 de junho de 2011

Entrevista à Retratos da Escola (CNTE): reflexão sobre formação de professores e educação a distância

Retratos da Escola, publicação da CNTE, em seu v. 2, número 2-3, convidou três importantes educadoras e lideranças de entidades da área de educação do País: Helena Costa Lopes de Freitas, Juçara Dutra Vieira e Márcia Ângela da Silva Aguiar. Nesta entrevista aos professores Luiz Fernandes Dourado e João Ferreira de Oliveira elas avaliam a temática da formação, profissionalização e valorização dos profissionais da educação, considerando o passado, o presente e o futuro da educação brasileira.

Durante a entrevista, o Prof. Dr. João Ferreira de Oliveira faz a seguinte pergunta às educadoras:

- Qual deve ser o papel da EAD na formação inicial e continuada de professores?

Reproduzo abaixo as respostas para nossa reflexão no contexto das demais questões apresentadas:

Juçara Vieira (CNTE) - Tanto a formação inicial como a continuada não podem prescindir
de todas as possibilidades abertas pelo avanço da ciência e da tecnologia. Porém, dois tipos de descompasso podem ser observados. O primeiro é entre as diferentes áreas sociais: a saúde incorporou tecnologias ao seu cotidiano; a educação continua tratando essas ferramentas e as dinâmicas delas decorrentes como “modalidade” diferenciada. O segundo descompasso é entre a educação superior e a básica. Um estudante que não tem acesso a computador não acompanha as atividades universitárias. Na escola básica, o computador, onde existe, está a serviço da burocracia, não do ensino e da raríssima pesquisa. Esse tratamento de EAD como modalidade institui, também, outra lógica, que é a de suplência. Por isso, é pensada como solução para situações emergenciais, como a falta de profissionais da educação. Essas carências são reais e
não podem ser ignoradas. No entanto, abrir mão da formação presencial significa concordar com soluções parciais, que não se aplicam a outras áreas. Há falta de médicos na zona rural e em pequenas cidades. Alguém propõe formação à distância para resolver o problema? Da forma como é organizada hoje, a EAD tem validade para a educação continuada – ou permanente - porque o profissional já construiu seus referenciais epistemológicos, é capaz de organizar sua aprendizagem, identificando suas necessidades teóricas e práticas, maneja técnicas e procedimentos pedagógicos. Pelas mesmas razões, a formação inicial deve ser presencial, incorporando todas as possibilidades científicas e tecnológicas disponíveis.

Márcia Aguiar (ANPED) - Considerando a extensão continental e as necessidades educacionais
efetivas do País, uma política de universalização do acesso à formação graduada dos professores requer a utilização plena dos recursos tecnológicos e midiáticos contemporâneos. Contudo, a formulação de uma política de formação inicial de professores deve considerar o acervo de conhecimentos e a experiência da área - que aponta para a necessária expansão da oferta de cursos de pedagogia e de licenciaturas presenciais e para uma sólida formação teórico-prática de professores para a educação básica -, com o uso intensivo desses recursos. A oferta de cursos de formação continuada na modalidade EAD complementa e deve suprir as necessidades, identificadas em diagnósticos precisos e como uma das estratégias para garantir o direito dos professores a uma formação pós-graduada de qualidade e, preferencialmente, nas universidades públicas. O uso indiscriminado, sem acompanhamento e avaliação adequados, dos cursos à distância pode ser um caminho tortuoso para se proclamar uma pseudo-universalização da formação de professores, em curto espaço de tempo, em detrimento da sua qualidade.

Helena Freitas (ANFOPE) - A posição do movimento dos educadores, em especial da Anfope,
frente à EAD sempre foi muito clara. Não cabe aos educadores defender uma posição de atraso diante das novas tecnologias e do seu uso na disseminação de conhecimentos na contemporaneidade. Mas defendemos a formação presencial para a formação inicial de professores, admitindo a formação à distância apenas em casos extremos, consideradas as necessidades regionais e locais. Destaca-se, sobretudo, a necessidade de separar as discussões da política de formação continuada do uso das novas tecnologias e da EAD. Importa, hoje, fortalecer os projetos pedagógicos das escolas e sua autonomia na escolha das melhores alternativas metodológicas às necessidades específicas. Há que se criar espaços para o aprofundamento conceitual sobre a temática, uma vez que esse é um campo extremamente complexo, que envolve novas concepções de aprendizagem, aprendizagem interativa, exigindo, também,
a ressignificação das abordagens pedagógicas do fenômeno educativo. Neste particular, devemos atentar para os seguintes pontos: definir a dimensão/concepção de tutoria dos programas de formação continuada à distância; estabelecer o mínimo presencial como forma de garantir a socialização e o trabalho coletivo dos professores; e definir o caráter de programas emergenciais vinculados às regiões, bem como o papel das faculdades/centros de educação na elaboração e desenvolvimento dos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura, em articulação com os institutos das áreas específicas, e na produção de materiais didáticos.

REFLETINDO SOBRE ESSAS QUESTÕES:

Vejam que as três mais importantes entidades no campo educacional do País (CNTE, ANPED e ANFOPE) tratam a questão da formação inicial e continuada, por meio da educação a distância, de forma consensual. Logo, verifica-se o motivo pelo qual a defesa desta perspectiva consta nos documentos que servem como referência para a formulação e implantação das políticas educacionais, a exemplo daqueles da CONEB (2008) e da CONAE (2010).

Nesta perspectiva, algumas questões emergem: 1) que entidade e/ou instituição tem sido representativa da educação a distância no País? caso vocês tenham pensado na ABED, por que a mesma não integra oficialmente estes debates e discussões e enfrenta as disputas e embates no interior do campo educativo? quem e que interesses a ABED representa? a ABED tem feito a discussão em defesa da educação pública ou tem sido uma entidade a serviço da iniciativa privada e das grandes corporações?

Um aspecto igualmente importante emerge no interior desta discussão: por que a ABED foi financiada em eventos e publicações pela Secretaria de Educação a Distância, sobretudo, no segundo mandato do Lula (2007-2010)? como se deu e tem se dado a relação entre público X privado nas políticas de educação a distância no País? que fundamentos tem servido de base aos discursos dos gestores da Universidade Aberta do Brasil e da nova Capes em defesa da educação a distância na formação inicial e continuada de professores? qual a posição do atual governo em relação as políticas de educação a distância, sobretudo, voltadas à formação inicial e continuada de professores, no contexto da extinção da Secretaria de Educação a Distância?

Verifica-se que os documentos oficiais, representativos das entidades acadêmicas, movimentos sociais organizados e sociedade civil, tem se posicionado em favor da formação continuada de professores a distância, limitando a formação inicial à educação presencial, sobretudo, por falta de um debate qualificado no campo educacional, e isto fica evidente quando percebemos que, embora sejam vários os profissionais e especialistas das universidades públicas trabalhando e defendendo a educação a distância, esses não tem delimitado espaços nas discussões das grandes entidades acadêmicas, ficando a educação a distância a cargo dos discursos dos empresários da educação, fragilizando e mantendo essa modalidade educativa no lugar 'marginal' que historicamente foi e vem sendo colocada.


Para ver a íntegra desta entrevista clique aqui.

Um comentário:

  1. Acredito ser válida a reflexão sobre o posicionamento adotado neste texto sobre a EAD. Por mais benefícios que ela tenha, talvez seja mais seguro neste momento ainda de fixação de sua estrutura, que seja utilizada para a educação continuada, permanente, já que esta pressupõe uma formação inicial já consolidada, ou seja, com bases sólidas e bem definidas.
    Neste sentido, poderíamos afirmar que a educação inicial deve ser presencial, ainda que se utilizando sempre de todos os meios tecnológicos disponíveis? Ainda que a resposta seja afirmativa, acredito sim que algumas disciplinas da Graduação, não diretamente ligadas ao curso são mais aproveitadas se realizadas de acordo com o formato da EAD: poderíamos, então, dizer que a educação inicial deveria ser predominantemente presencial?

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